CASO PETROBRAS, A GOVERNANÇA SOB TENSÃO

CASO PETROBRAS, A GOVERNANÇA SOB TENSÃO

A discussão sobre modelos de governança orientados a shareholders ou stakeholders frequentemente assume contornos conceituais distantes da prática cotidiana das empresas. No entanto, episódios recentes da economia brasileira — em especial a política de preços da Petrobras durante a gestão de Pedro Parente — tornam esse debate inescapavelmente concreto. O caso oferece não apenas uma ilustração, mas um alerta sobre os riscos da governança mal calibrada entre retorno financeiro e impacto sistêmico.

Ao implementar a Política de Paridade Internacional (PPI), a Petrobras passou a ajustar os preços dos combustíveis com base nas flutuações do mercado internacional e do câmbio, adotando uma postura de alinhamento total ao racional financeiro. A medida foi bem recebida pelo mercado: os balanços melhoraram, a dívida da empresa foi reduzida, os acionistas se beneficiaram de uma valorização expressiva dos papéis. Era a lógica do shareholder em sua expressão mais clássica — maximizar o valor ao investidor, com foco exclusivo na eficiência empresarial.

Contudo, essa mesma decisão, quando confrontada com as condições reais da economia brasileira — altamente dependente do transporte rodoviário — gerou efeitos colaterais severos. Em 2018, a política de preços desencadeou uma greve nacional de caminhoneiros que paralisou o abastecimento, afetou cadeias produtivas inteiras e impôs prejuízos bilionários à economia. A política orientada ao acionista revelou-se, na prática, insustentável quando desconectada do ecossistema em que a empresa está inserida.

Esse episódio não trata apenas de política de preços. Ele expõe, com clareza, o limite da governança que ignora os stakeholders em nome de uma racionalidade econômico-financeira unilateral. Empresas — sobretudo aquelas de capital misto, com forte presença pública e impacto setorial relevante — não podem operar como se fossem apenas veículos de geração de valor para o mercado. A legitimidade empresarial hoje é construída na intersecção entre resultado, responsabilidade e previsibilidade institucional.

Governança, nesse contexto, não é uma escolha entre eficiência e impacto social, mas a capacidade de sustentar ambos de forma consistente e mensurável. Organizações que desconsideram esse equilíbrio correm o risco de atingir excelentes indicadores contábeis enquanto se desintegram institucionalmente. Não por ineficiência operacional, mas por miopia estratégica.

A lição que o caso Petrobras deixa não se restringe às estatais. Ela é extensível a qualquer empresa que opere em ambientes regulados, de alta sensibilidade social ou com interlocução direta com governos, cadeias críticas ou infraestrutura nacional. A governança madura não é aquela que obedece ao interesse de um único grupo, mas a que reconhece a interdependência entre capital, reputação e sustentabilidade.

Nota sobre a natureza jurídica da Petrobras:
A Petrobras é uma sociedade de economia mista sob controle acionário do Governo Federal, regida majoritariamente pelas normas do direito privado, mas submetida à Lei nº 13.303/2016 (Lei das Estatais), ao regime das sociedades anônimas e a regras específicas de governança pública. Essa natureza híbrida impõe desafios adicionais à sua gestão, exigindo o equilíbrio constante entre retorno ao investidor e compromisso com o interesse público, o que torna seu modelo de governança particularmente sensível a tensões políticas e institucionais.

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